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24 juin 2012 7 24 /06 /juin /2012 19:35

 

A canção do mar

 

« fui bailar no meu batel

Além do mar cruel

E o mar bramindo

Diz que eu fui roubar

A luz sem par

Do teu olhar tão lindo

Vem saber se o mar terá razão

Vem cá ver bailar meu coração

Vem cá ver bailar no meu batel

Não vou ao mar cruel

E nem lhe digo aonde eu fui cantar

Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo

Vem saber se o mar terá rezão

Vem cá ver bailar meu coração

Se eu bailar no meu batel

Não vou a o mar cruel

E nem lhe digo aonde eu fui cantar

Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo”

 

No seculo X, a cidade de Lisboa tinha mais de 100 000 habitantes. Ela era um grande centro comercial. Ela recolhia os seus produtos e trocava-os por produtos do Mediterrâneo. Com Constantinopla, Salónica, Cordova e Sevilha, era uma das maiores cidades da Europa.

 

Através de uma reflexão sobre o fado desejo abordar a noção de consciência coletiva. O fado representa a liberdade de expressão do Portugueses. Uma oportunidade para nos exprimir-mos entre amigos, para nos reunir-mos e passar-mos uns bons momentos juntos. O canto da relação dos pensamentos, das apreensões e das alegrias, do amor e da política é o que reúne os homens na liberdade, aí está a origem do fado.

 

Os músicos acompanham à guitarra portuguesa o fadista ou a fadista. A sua guitarra é de forma redonda, importada no Portugal pela colónia inglesa do Porto. Mas os guitarristas adaptaram-lhe uma cabeça viola de arame. O instrumento torna-se a guitarra portuguesa com um som diferente nascido das suas doze cordas. A viola de arame ou banza acompanhava as cantilenas, as modinhas brasileiras, os cantos nas romarias, as canções populares nas tabernas. O tampo, designado por tampo harmónico, é construído de madeira pouco densa e portanto muito flexível para vibrar com o som. É feito de pinho de Flandres ou de Veneza. E por conseguinte é procedente da riqueza das relações induzidas pelo meio portuário. O canto benefícia, como o instrumento, da riqueza das relações costeiras. A história do fado é a de Portugal. Apenas alguns pontos serão abordados a fim de exprimir, com o grito do fado, a necessidade que o justo e o seu trabalho não seja mais oculto e que permite assim o aparecimento da noção de consciência coletiva ?

 

Na novela de José Saramago, A história do cerco de Lisboa, os “muezins” são cegos, como o quer a tradição do Islão que lhes confiava a chamada à oração. Em 1147, a cidade de Lisboa foi reconquistada pelos cristãos. Foi o início da reconquista de toda a Península Ibérica. As forças de Afonso Henriques atacaram à hora da convocação dos fiéis à oração[1]. Se depois os “muezins” calaram-se, o povo continua a cantar à Lisboa. O grito do fado continua a ser uma chamada para o povo português. A canção cruz de guerra exprime uma relação que reúna todos os homens. “E a pobre mãe rematou, neste contraste: -Dorme, dorme, o sono eterno, filho meu! Por causa da cruz-de-guerra que ganhaste, quantas mães estão chorando como eu?!...”[2]. A canção permite-lhes unirem-se na adversidade, na esperança de mudanças. Esta riqueza do fado será objecto das cobiças políticas com a ditadura intelectual do comunismo e depois com a ditadura de Salazar. A voz popular não pode escapar as múltiplas influências. Nesta luta, a voz toma entoações mais acentuadas e mais fortes para escapar ao destino. O fado renasce sempre diferente da preocupação do povo de fazer-se entender, manifesta-se mesmo na política. No início do século XX, um novo tipo de espetáculo aparece, a revista. Nascida em Paris no século XIX, retoma com humor os acontecimentos sociais e políticos do ano. Mas a revista multiplica-se. Em vez de ser um acontecimento anual, ao longo de todo o ano, os teatros, cenas e feiras expõem as suas caricaturas e contestações. O fado é um meio de expressão eficaz para este tipo de espetáculo.

 

I O casamento

O carácter não silábico do canto do fado, os prolongamentos apaixonados das suas vozes aproxima o fado da música modal do canto oriental. No Portugal existe uma lenda mourisca com virtudes mágicas. Por ocasião das festas, como a de São João, a água das fontes na entrada das aldeias dá lugar às visões « da Moura encantada ». A moura encantada é o tema de numerosos contos. A Princesa Moura é uma muçulmana encantada que habita ou é cativa num castelo e apaixona-se por um cavaleiro cristão do tempo da reconquista. O encantamento é a dor da mulher Mourisca de nâo poder casar-se com aquele pelo qual está apaixonada. Ela não pode escolher o seu destino. A tristeza da mulher mourisca fechada no seu castelo, ou dos namorados separados pelas viagens ou pela morte é uma das expressões da saudade. A saudade é feita para amar de acordo com a Lenda de Alcácer do Sal[3]. « Havia nela uma tristeza ausente, feita de saudades do que não lembrava mas amava ». Se a saudade entra na poesia, os cantos permitem entrar numa consciência colectiva. A partilha permite conhecer-se, reconhecer-se no outro, superar ou evitar as dificuldades. Assim, as lendas mouriscas podem ser de advertência das dificuldades para os namorados, das dificuldades em casarem-se entre muçulmanos e cristãos. É o assunto da Lenda da cova encantada, A lenda do mouro do Cabril, Lenda do cinto da moura… . O encantamento da moura pode ser causado pelo pai, um irmão ou um outro mouro para guardar os tesouros. O desencantamento pode ser obtido com um beijo, algumas palavras, um bolo… As lendas mouriscas podem ser também a necessidade de realizar o desencantamento para obter a moura amada. A moura amada é a imagem da alma. A independência da alma pode ser obtida ultrapassando as pressões familiares. As obrigações do irmão, o desejo de perfeição da mãe, os malogros do pai podem pesar sobre aquele que se torna independente. Se cada um caricatura o seu papel com excessos, faz-se pai negando a sua parte feminina, negando a criança que vive nele, então volta à fase bombeiro. Os pais incómodos de Kafka, as mães possessivas e protetoras de Louise Bourgeois, os imãos ciumentos desde Cain e Abel vivem com a sua identidade com excessos e tornam-se os bombeiros de fogos que eles próprios provocaram. No filme, Aquele querido mês de agosto[4], o primo da jovem cantora rouba o tesouro da jovem rapariga. A responsabilidade infantil de proteção do primo justificada na infância transforma-se perigosamente. A mãe ausente esconde a beleza dos sentimentos que unem o pai e a rapariga. O despeito familiar traduz-se então por uma falta de respeito mútua. A alegria dos reencontros de verão e do regresso dos exilados transforma-se em amargura. Os mais frageis separam-se da sua família com feridas ainda maiores. Na mulher-casa[5], encontramos uma jovem mulher que é desaprovada pelo meio profissional do seu marido. Os prejuízos morais, as infrações à infância e aos menores dos colegas e superiores são impostas a este jovem casal que acaba por encobrir a situação. Num ambiente de maldade e de despeitos a jovem mulher encontra-se isolada mesmo do seu marido. A luta num meio fechado, centra-se na jovem mulher, no entanto, inocente de todas as traições das quais não tem nenhumas provas mas que escurecem as relações até destruí-las. Finalmente o mal leva sobre o bem e os que tentavam construir uma família no respeito dos outros encontram-se separados. Os vencedores souberam dividir para impor as suas traições. Estes dramas são as advertências dos riscos em não levantar o encantamento com algumas palavras, leite que faz sair as cobras dos seus esconderijos. É uma advertência, da importância de ser um adulto com uma consciência para tomar as boas decisões. Mas não podemos parar aqui sem a consciência colectiva que é a responsabilidade de todos. Seria demasiado fácil. A pessoa é única na sua tomada de decisão. Mas a pessoa não é separada do seu meio social. O grupo social e as suas pressões têm um grande papel. Contraindo um casamento, os cônjuges entreguem-se no casamento frente à sociedade que é a Igreja, a família, o meio profissional... Se as intituições não reconhecem as suas obrigações com as famílias e os compromissos de cada membro duma família, o casamento não existe mais. Sem querer a perfeição, parece importante respeitar os estudos, as relações, os conhecimentos, os compromissos de cada um dos cônjuges. Aí está o que denúncia Tânia Ganho. A jovem mulher é isolada, troçada para destruir a sua autoridade em frente das imoralidades sobre a infância e os menores, cometidas pelos colegas e superiores do meio profissional do seu marido. A história termina mal porque esta história é testemunhada pelo facto de que hoje os que tentam construir uma família com base no respeito dos outros vêem-se obrigados a separar-se quando os que violam a moralidade da infância permanecem escondidos e continuam os seus atos. A calúnia incide sobre a pessoa honesta e a sua dimensão humana é-lhe recusada. Os assassinos vão procurar a palha nos olhos da jovem rapariga com a cobarde cumplicidade das suas relações, para esconder a viga que estorva o olhar dos assassinos. Cedo, a ironia dos olhares viola a jovem rapariga que deixa a humanidade sem alma. O livro Amor de perdição[6] de camilo castelo Branco foi escrito em prisão porque o autor era acusado de adultério. A dimensão social do casamento é ridiculizada. A obra é um ícone do romantismo, uma referência para a revolução dos sentimentos, os direitos do coração numa época onde a noção de impulso apaixonado ainda não era bem conhecido. A psicanálise ainda não tinha descrito os sentimentos e os impulsos apaixonados, maternos, as fases da libido que permitem atualmente conhecer-se melhor, dominar e utilizar com sabedoria as forças presentes nas nossas relações. Com a psicanálise, os nossos impulsos são menos inquietantes. Esta tomada de consciência permite dominar-se e não render-se naturalmente à inveja e à uns excessos de proteção materna, e de não incentivar o seu filho ou o seu irmão, de ter menos medo nas relações sociais… No casamento, o desejo é reunir no amor a dimensão intitucional e a dimensão afectiva das relações. Por isso, é muito importante namorar e ficar noivo. Desde a sua prisão e para as necessidades artísticas do drama, o autor avança sem recuo na sua tese monólito, fazer reconhecer os sentimentos amorosos. O autor não toma em conta a rica complexidade das relações no casamento. Na demonstração não faltaria o humor se não tivesse refletido uma realidade da época : negligenciar a dimensão sentimental do casamento. A nossa época, pelo contrário, não reconhece a face institucional religiosa do casamento e não aplica as leis, quando existem, que tentam ainda protegê-lo, e proteger os direitos de cada um dos cônjuges. Estes direitos que permitem a cada um não viver fechado num papel único de pai, ou de mãe, ou de uma profissão, mesmo se esta profissão impõe um reconhecimento mediático como a Severa. O noivado permite namorar e ter tempo antes de dar tudo como a fadista Severa. A história da Severa é a de uma amante que dá tudo, mas que em troca recebeu coisas insuficientes para viver, nenhum reconhecimento social e rendimentos profissionais, só vestuários mais elegantes e um apartamento sem aluguer. Fadista e prostituta, tornou-se um ícone popular dos amores entre meios sociais opostos, um fatalismo, uma mentira contra os que desejam viver, trabalhar e amar na fidelidade e para satisfazer os que não desejam partilhar o reconhecimento social.

 

Os moçárabes

 

Os mouros[7]habitavam na África do Norte o território de Marrocos (atual) e o Sul da Península Ibérica. A dinastia almoravide reinava sobre o reino mouro e a capital era Marraquexe. Partidos desde a montanha do Elevado Atlas, os Almóadas (os unitárias) iam iniciar sob a direcção do grande conquistador Abd al-Moumen Ibn Ali, a conquista de Marrocos desde 1130 j-c. Durou quase dezassete anos e termina com a queda da dinastia almorávide e pela tomada da sua capital Marrakech em 1147 J-c. Com os Almóadas o Ocidente muçulmano, de Túnis a Marrakech e à Andaluzia encontram-se reunidos. Esta unidade favorecia o desenvolvimento de uma grande civilização considerada doravante como a idade de ouro do Marrocos medieval.

1147 é o ano da tomada de Lisboa por Afonso Henriques, filho de Henriques de Borgonha que herdou pelo seu casamento com Teresa de Leão o condado de Portucale. D. Afonso Henriques, após a conquista cristã de Lisboa, tinha confinado uma zona da cidade para os muçulmanos, a Mouraria. Este bairro e os que são próximos serão a causa das primeiras construções da arte mudéjar origem do estilo manuelino cristão. Na Mouraria, encontram-se minas de argila e ateliers de oleiros desde a era romana. A mão-de-obra moura utilizava materiais mais baratos, acessíveis. Em 1147, os muçulmanos vencidos são reduzidos à condição de escravos e seguidamente agrupados na Mouraria sobre as inclinações do castelo S. Jorge. A arquitectura mudéjar era caracterizada por estruturas tipicamente islâmicas, composições formais e decorativas rítmicas, varandas e torres. O trabalho de carpintaria inspirado no estilo manuelino que existe ainda nas salas mais bonitas do Palácio Nacional de Sintra, torres, muralhas. O bairro da Mouraria foi também o refúgio dos judeus. As duas populações, a de Sintra como a deste bairro de Lisboa viviam juntas. A Mouraria é o berço do fado, o canto dos que batiam o linho para branqueá-lo, o canto dos que não ficam silenciosos, os filhos de Sólon[8]. Afonso Henriques fez muitos prisioneiros e escravos dos moçárabes e muçulmanos. Eles foram deportados. Os moçarabes são também os cristãos, os judeus marranos, os cristãos de Oriente, todos os que são considerados como estrangeiros pelos mouros, os que não compartilham a religião muçulmana. A pessoa era maçárabe no sentido de que estava quase inteiramente arabizado, ou praticamente arabizado, embora mantivesse sua crença cristã. Reiterei esta última definição porque há vários usos da palavra « moçárabe ». Os moçárabes pagavam um imposto e foram tolerados durante o governo mouro (do oitavo ao décimo século) em Aragão, Castela e Leão. O rito moçárabe (cristã) durou do concílio de Toledo III em 589 até à sua supressão no concílio de Burgos de 1080. « […] a deportação de alguns milhares de moçárabes aprisionados e escravizados por Afonso Henriques »[9] « Acrescem a estas circunstâncias desfavoráveis as violências e opressões dos próprios cristãos que, no momento em que avançaram submetiam frequentemente os moçárabes ao cativeiro ou à servidão, confundidos com os muçulmanos »[10]. Não é « confundir » porque os moçárabes têm relações com os católicos do Oriente. A presença no conflito dos moçarabes implica que a guerra tem causas que excedem largamente a pergunta da religião. Trata-se aqui de uma guerra estratégica a fim de tomar possessão de uma feitoria que expandia as relações com o Oriente e a África do Norte ocidental e de poder taxar a população comercial e rica. A conquista de Lisboa fez-se com a ajuda dos cruzados que precisavam de riquezas para financiar a segunda cruzada. Os seus acordos com Afonso Henriques e os de rendição do rei mouro testemunham estas necessidades. « Uma das condições do acordo entre os cruzados e D. Afonso Henriques foi o direito daqueles a quatro dias de saque »[11] « fazendo-lhes entrega outrossim de todo o ouro, prata e dinheiro e do mais que possuíssem »[12]. Estes propósitos mostram que os cruzados vinham para o ouro ; os almorávides dominavam as estradas do ouro africano[13]. E a sua moeda era caracterizada pela qualidade da sua cunhagem mas sobretudo pelo seu teor de metal precioso. É impossível que a batalha de 1147 não esteja ligada à queda dos almorávides . Os cruzados agrupam-se no momento em que o Reino Mourisco é enfraquecido pela guerra almóada. Os Flamengos, Frisons, Normandos, Ingleses, Escoceses e alguns Almães e Franceses passam pelo mar e Lisboa. Os franceses e Germânicos partem em maio de 1147 e tomam a estrada passando pela Hungria e o Imperio Bizantino. “Os alvos dos ataques foram principalmente os bairros muçulmano e judeu. E, nesse mesmo dia, foi assassinado o bispo moçárabe de Lisboa”[14]. De acordo com José Matoso, o rito não mostra nenhum traço da influência árabe. Mas, não é verdade, no canto Separavit do sitio salvemaliturgia-cantomozarabe[15] as entoações do fraseado são de influências árabe e oriental testemunhando a relação comercial e por conseguinte religiosa e cultural entre os cristãos de Ocidente, de Portugal e da Andaluzia com os do Médio-Oriente, e os muçulmanos. Da mesma maneira, a Basílica Santo Marco de Veneza pela sua decoração oriental prova as relações comerciais e a presença de feitorias orientais no Ocidente. A influência mourisca é mais apurada que a dos cristãos de Oriente em Veneza. O rito e a arquitetura das igrejas moçárabes traduzem-se por uma simplicidade e uma preocupação em exprimir a pureza que traduz a influência da sobriedade das conceções dualista-gnósticas dos árabes do Ocidente e as conceções judaicas. As feitorias implicam a presença estrangeira sobre o território, aqui as presenças orientais ricas em diversidade, a presença muçulmana, a presença cristã independente do rito católico romano e a presença judaica. Sob o domínio dos mouros, os cristãos praticavam o rito moçárabe diferente do rito romano. Os cristãos moçárabes eram independentes, vinculados diretamente a Roma. « Um último elemento distintivo do rito moçárabe é a integração de elementos de outras tradições litúrgicas. O gosto pela conservação das suas formas antigas […] a influência, muito provável, do canto e do cerimonial bizantino – amplamente testemunhada numa extensa região da península, de Múrcia a Málaga, entre o fim do seculo VI e o fim do século VII – elementos litúrgicos alexandrinos … »[16] Alguns cristãos de origem visigótica, que não eram realmente convertidos ao catolicismo pensaram em voltar ao seu arianismo[17] fazendo-se muçulmanos. O rito moçárabe, reconhecido por Roma, permitiu principalmente uma terra espiritual entre os mundos do Ocidente mouro, do Ocidente arabe, do Ocidente Europeu, visigodo, católico e um pouco com o Oriente. Neste contexto, o rito foi muito precioso. « Ao fato de os Padres da Igreja hispânica, mesmo escrevendo grande número de tratados (como Isidoro de Sevilha, Paciano de Barcelona, Ildefonso e Julián de Toledo), terem preferido concentrar seu ensino não em obras teológicas, que naquela época teriam sido usadas por poucos, mas na liturgia, da qual todo o povo beneficiaria »[18]. Depois a conversão dos reis visigodos, as composições de textos litúrgicos destinados ao rito permitiu um ensino para a passagem do povo do arianismo[19] ao catolicismo. É assim que se forma o rito moçárabe. Ildefonso de Toledo (608-667) compôs muitas missas e celebrações para a Liturgia das Horas e toda uma “pietas em torno de Maria”[20]Virgem e Mãe. O rito moçárabe favorece a interação da assembleia. Liturgia traduz-se por ação do povo « ergos leitor ». Não é um serviço ao povo, uma filantropia, mas o canto, a oração, as leituras que são ditos pelo povo que participa assim mais ativamente da liturgia. O povo não é passivo. É ativo ao serviço de Deus através da liturgia. E pelos actos espirituais, descobrem Deus ; lá é o segredo do rito moçárabe, era uma ligação entre os judeus e os visigodos arianos e os docetistas[21], os muçulmanos e o pensamento cristão trinitário. A sobriedade do rito moçárabe recorda que « […] essa liturgia conserva, mais do que outras, influencias das celebrações judaicas nas sinagogas. »[22] Sob domínio mouro, porque duvidar da aproximação do rito cristão das celebrações judaicas. Os judeus tinham boas relações com os árabes. Durante a conquista (640-716) « Tanto em Córdova, como nas outras cidades e vilas, os judeus receberam os árabes de braços abertos, pois tinham sofrido muitas perseguições e conversões forçadas, por parte dos visigodos. […] Estabeleceram imediatamente contacto com o oficial muçulmano, que os mobilizou para o seu exército e lhes entregou a missão de guarda da cidade. Os árabes, onde chegavam, entregavam-lhes a guarda e defesa das praças conquistadas. »[23] Os cristãos eram isolados politicamente e em religião do resto da Península. O fado de Coimbra é diferente do fado de Lisboa. Em 1080, o concílio de Burgos, tomou a decisão de substituir o rito moçárabe pelo rito romano, ditado pela Santa Sé em Roma. O clero moçárabe opôs-se particularmente em Coimbra. A cidade pela sua importante implantação moçárabe e pela influência do governador Sisnando Davide, um moçárabe, com o arcebispo de Coimbra Paterne, seria o principal foco de resistência. Um outro oponente foi o abade cluniense de Sahagún, Roberto, que por causa de resistência foi substituído pelo Papa Gregório VII e Bernardo de Sedirac. O rito religioso influencia e inspira a canção popular. O moçárabe opõe-se também através da canção popular. E ainda hoje, a sobriedade do canto moçárabe aparece na melodia do fado de Coimbra orgulhoso das suas origens moçárabes que deixaram na história de grandes poetas, cientistas, filósofos, estrategistas, médicos, políticas.

 

«  Meu amor vai-te deitar já é tarde

Diz o meu pai sempre que vem perto de mim

Nesse misto de orgulho e de saudade

De quem sente um novo amor no meu jardim

 

E adormeço nos seus braços de guitarra

Doce embalo que renasce a cada dia

Esse sonho de cantar a madrugada

Que foi berço num tasco da Mouraria »[24].

 

A reversão da saudade por Salazar e pelos interesses estrangeiros em Portugal.

O fado vem de fatu uma palavra latina que significa destino. No Fado, há uma dimensão fatalista, da consciência de pobreza sem esperança de melhoria. Observando as palavras censuradas por Salazar constata-se que a valorização do trabalho e a vontade de lutar contra o analfabetismo não era incentivada pelo governo deixando sem esperanças de progressão os habitantes de Portugal. Com a ditadura fascista que dominará Portugal durante uma metade do século a censura não deixará a possibilidade aos Portugueses de serem responsáveis pelos seus destinos. O governo amordaça a liberdade da palavra que se exercia através do Fado. Uma vez os textos esvaziados do seu conteúdo reivindicativo e realista, o canto dos marginais de Lisboa tornava-se um emblema abstrato da gloriosa e imperialista identidade portuguesa. Num jogo de viravolta do sentido, a saudade, expressão da tristeza e revolta, torna-se o canto de uma fatalidade. A música é autorizada e torna mais suportável a pobreza. Mas, a voz do povo permanece sem poder.

 

O lundum é uma dança onde os gestos lascivos favorecem a proximidade dos corpos, imitando os gestos da relação sexual. No tempo de D. Manuel I, dançava-se o lundum, o batuque a charamba. Estas danças foram proibidas. São a versão profana de ritos praticados pelos escravos angolanos no Brasil. As cerimónias religiosas eram celebradas para Quilundo a divindade do destino de cada um. O fado retoma o ritual do desafio da pessoa em frente do grupo. Os ritos de iniciação da Africa tinham para tema a introdução da pessoa na sociedade. O lundu era dançado como ritual nas cerimónias de casamento. O lundu é uma dança mista de batuque africano e música portuguesa popular. A culpabilidade do comércio de escravos fez entrar no espírito português uma fatalidade que os portugueses impunham à comunidade africana do Brasil. Em 1807, o bloqueio continental decretado por Napoleão forçará o Príncipe regente (futuro Dom João VI) a embarcar para o Brasil. A Inglaterra disputa os portos de Portugal com a França. Cerca de quinze mil pessoas partem para o Brasil e entre eles encontram-se numerosos empregados para acompanhar os magistrados, nobres e membros do clero. Encomtram-se ali os escravos originários dos países africanos. Para os escravos da América do Norte, em 1619, os africanos são transportados por barco para trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Os escravos pretos puderam começar a exprimir-se e representar em salas de espetáculo apenas após a guerra de Secessão, em 1861-1865, permitindo a abolição da escravidão por Abraham Lincoln em 1890.

 

As obras românticas de Almeida Garrett são a expressão de uma mentalidade humanística. A sua educação aberta ao sentido das responsabilidades permite-lhe escrever nas suas obras a crítica dos excessos românticos e ultrarromânticos. O fado arcou com a sociedade da mesmo maneira que Almeida Garrett num expressionismo realista. Este movimento literário e artístico existiu na França através da obra de Prosper Mérimée. P. Mérimée é agnóstico e nunca foi batizado. As suas referências são Voltaire, os enciclopedistas, compartilhava as mesmas ideias do que Stendhal. Como ele, criticava a religião e os seus padres, a Igreja, afixava um materialismo racional e científico. Mas diferencia-se de Stendhal pela sua incerteza perante o mistério das forças da natureza, a presença ao mundo de uma existência que excede a do homem. Aquilo traduz-se pelos seus contos fantásticos e uma crença na potência do destino no inominável como no inefável. O seu materialismo é de um ceticismo que arranja o espiritual, a oração e a poesia no inefável reduzindo assim as artes, o conhecimento, o mundo de Mercúrio a um Hermes sem braços. A sua descrição da sociedade não deixa de ser corrosiva e interessa pelas variedades dos direitos em que a população vivia. Em Mateo Falcone[25] reencontra-se o antigo direito romano do pater famílias de vida e de morte sobre os membros da família. Para este chefe de obra, o mestre usa o seu conhecimento em direito. Próspero Mérimée era titular duma licença em direito à uma época de transição e tomada de consciência dos direitos do indivíduo, dos direitos da criança, de mutação das instituições.

 

Garett nunca enjeitará a influência de Filinto Elísio, nome arcádico do Padre Francisco Manuel do Nascimento, poeta de formação iluminista e liberal que exilado em Paris, teve por aluno o poeta romântico Lamartine. Filinto Elísio é um pré-romântico, é clássico. Ele defendia a vernaculidade e pureza da Língua Portuguesa e é caracterizado pela sua força de implicação pessoal na existência amargurada do exilado, a revolta contra o destino adverso, o entusiasmo com que conta a obra.

 

Arcadismo é um estilo literário do seculo XVII. Inicia-se no início do ano 1700. Diz-se também setecentismo o neoclassicismo. Os autores do período imitaram uns aspectos da antiguidade greco-romana no classicismo. E logo após, imitaram os escritores do Renascimento. Um dos principais escritores árcades foi o poeta Horácio que viveu em 68 a.C. É muito conhecido pelo seu pensamento do “carpe diem”. Este movimento literário, que precede o de A. Garett e Prosper Merimée, considerava a moral como natural e que a sociedade corrompe a pessoa. O Abade Gaudin na segunda metade do século XVIII° mostra a sua pertença ao naturalismo e vê salvação para o homem apenas no regresso à natureza. Denuncia a sociedade que corrompe o homem : “De regresso à sua cabana, deixa estoirar a sua alegria que lhe não é natural, o seu pai surpreende-o que corre incessantemente para contar as moedas de ouro ganhas, recompensa da sua delação”[26]. Ao contrário, com Matteo Falcone, P. Mérimée denúncia os prejuízos dos excessos do direito natural romano do pai de família. A história foi publicada na Revista de Paris sob o título “Moeurs de Corse” em 1829. O liberalismo português conta dois movimentos, um agregado à moral e o outro sem moral. O vintismo nasceu numa sociedade portuguesa em grande parte defensora do absolutismo e sem orientação politica clara. A corte estava afastada da metrópole (1808-1820) depois das invasões francesas com o general Jean-Andoche Junot. J. A. Junot como maçon quis ser grão-mestre da maçonaria portuguesa e rei de Portugal. Mas não foi, mesmo se ele tivesse tido o apoio da Igreja. A Igreja temia o espírito revolucionário francês que fez fechar os conventos. Preferia o poder de Napoleão. Ele tivesse voltado a dar o seu lugar à Igreja. Almeida Garrett faz os seus estudos de diereito em Coimbra sob o Vintismo. Era politicamente liberal. O que dá ao seu trabalho uma dimenão realista e um degosto para “os barões” uma oligarquia de financeiros que impõem a ditatura de Costa Cabral. Os seus escritos constituem a crítica do materialismo dos barões. Na obra Viagens na minha terra, Almeida Garett opõe o frade com a sua regra de vida muito simples e o barão como Dom Quixote e Sancho Pança. “ [...] o convento no povoado e o mosteiro no termo animavam, amenizavam, davam alma e grandeza a tudo: eles protegiam as árvores, santificavam as fontes, enchiam a terra de poesia e de solenidade. O que não sabem nem podem fazer os agiotas barões que os substituíram. É muito mais poético o frade do que o barão ”[27]“aquelas instituições (as instituições religiosas) não metem medo aos verdadeiros liberais, e os outros lá têm o espólio dos frades para devorar; ”[28]. O fado é um meio de expressão procedente do liberalismo. É um dos apoios da liberdade de expressão além dos medos e da intolerância. O fado foi controlado pelos regimes do medo mas reaparece para denunciar as injustiças.

 

O 7 de dezembro 1822, a independência do Brasil é declarada por Pedro, princípe da família real de Portugal. O rei deixou o seu filho regressando em 1820 a Portugal. O 12 de Outobro de 1822, Pedro faz-se proclamar imperador do Brasil. Em 1888, a escravidão é abolida. Em 1889, o imperador é destituído pela oligarquia materialista que não aceita esta reforma liberal. Ao mesmo tempo, em 1802 é instalada na Baía a Loja Virtude e Razão das quais sairam, em 1907, a Loja Humanidade e em 1813 a Loja União. Talvez seja uma ligação entre a maçonaria e o fim da escravidão. Sabemos que os Estados Unidos assinaram a sua independência com os sinais da maçonaria. O filme O Código Da Vinci escrito por Dan Brown tem como assunto a relevância da mulher e o seu papel. A elas foi relegado um papel secundário pela Igreja Católica. Em 1814, a viscondessa de Juromenha , amante do general inglês William Beresford, foi initiada na loja virtude. O objectivo era claro: a viscondessa deveria transmitir aos irmãos os desabafos de alcofa. O que deixa entender que a maçonaria conquistou um espaço no debate público.Na criação destas lojas, nos papéis trazidos acima qual é a parte de verdade? A maioria do tempo a maçonaria chega depois e apropria-se o progresso? É certo que os irmãos apoiam os intelectuais. Mas isolam-nos geralmente para orientá-los. Fazendo do Oriente uma passagem, um corredor, uma iniciação, enquanto os pensadores do Irão faziam do Oriente uma fonte divina da sabedoria e da verdade. O filme, O código da Vinci, inspira-me estas linhas porque está pouco preocupado com suas referências. Marie Madeleine nunca teve crianças. Não há descendência de Jesus. O Evangelho apócrifo de Marie (que acredito ser Maria Madalena) é simples e curto. Trata da Unidade. Maria chora porque os primeiros cristãos não retiveram o seu texto. O priorado de Sião ao qual teria pertencido Léonardo de Vinci não existe. Um grupo foi fundado no século XIX. Comparando o film com as lendas mouras vê-se que assemelham-se a um trabalho preocupado dos factos quando os contos e as lendas mouras anunciam as suas relações com a imaginação e o sonho. Encontramos muitas expressões, palavras como “era uma vez”, “diz-se que”, “há muito tempo”... e também os títulos de lenda, lembram-nos a relação com o imaginário, o sonho, o inconsciente e constituem um inconsciente coletivo, banco de areia e mundo flutuante entre a história, a existência, o sonho e o inconsciente. Este mundo é flutuante porque todos podem vivê-lo na trama simples duma história. Cada vez, cada um pode contar ou contar à sua maneira o conto, haver o tesouro que deseja antes de dormir. O segredo que cerca a iniciação da maçonaria põe problemas porque tudo não é verdadairo nos factos trazidos; existe importantes pressões psicológicas sobre as pessoas que têm responsabilidades. As tomadas de decisões fazem-se à maneira do direito inglês que vem dos normandos “Common Law”. “Common Law”. Era um direito baseado em precedentes, nos casos estabelecidos anteriormente. Era um sistema vinculante, onde o precedente criava a norma a ser seguida. Um sistema que não conheceu o instituto do recurso até o século XIX. Não havia recurso a textos não jurídicos; somente eram validas as decisões dos tribunais, a jurisprudência. O que é semelhante com a maçonaria é o jurí sem promotor. Na Inglaterra adotou-se a figura do júri popular, presente em todas as deliberações. Não existia a figura do promotor, que surgiu na reforma do século XIX. As derivaçoes deste sistema são a pressão que é exercida sobre o júri popular e a campanha de calúnias que acompanha a condenação. O caso de Jeanne d’Arc exposta sobre os mercados em Rouen para desacreditá-la é famoso.

 

 

Perseguindo o Islão e as igrejas orientais, os cavaleiros cruzados afastaram a gnose. O conhecimento caiu num período de grandes interrogações que levaram ao desacreditar do pensamento místico da presença de Deus no meio dos homens. Trespassando o coração de Jesus, com o golpe de espada, o soldado romano marca simbolicamente a libertação do espaço virtual do pericárdo no qual o coração do Cristo crucificado tivesse-se parado por falta de lugar. Será que o coração libertado para o golpe de espada teria efetuado um ou dois batimentos antes de parar? E talvez, o olhar de Deus pôs-se uma última vez sobre o soldado que o executava, nas regras da arte, ou sobre os que estavam presentes, a Virgem Maria e São João, os que acreditavam já na ressurreição.

 

No início deste trabalho, não desejava escrever sobre o fado. Mas a descoberta das suas origens na escravidão deu-me o desejo de escrever para refletir e trazer elementos sobre a importância de guardar uma relação entre o trabalho – compromisso, estudo, reflexão, méritos - e a liberdade de expressão e do reconhecimento social.

 

Se o fado é o grito da liberdade e um meio de expressão artístico, pode-se esperar ver as instituções defender os interesses das crianças na hora onde o mundo surpreendeu-se ao descobrir uma obra do muito famoso Leonardo da Vinci, a Bonita Princesa[29]. Leonardo da Vinci pertence à memória colectiva. Mas agora, com o trabalho do mestre, Bianca Sforza entra na consciência colectiva. Esta história sai da anedota e vai juntar-se à do jovem Córsega, da de quem fala o abade Gaudin que inspirará a novela de Prosper Mérimée Matteo Falcone. Pois, Bianca Sforza é uma princesa que morreu aos 13 anos e meio após quatro meses de casamento. É possível imitir a hipótese que esta aliança foi decidida pela sua família e servia, talvez uns interesses políticos ou financeros. Bianca é demasiado jovem para casar-se e tomar decisões que necessitavam a experiência da idade adulta, a saúde de uma criança de 13 anos não está adaptada às eventuais gravidezes. Esta hipótese pode ser matizada. Se Bianca já estava doente, casou-se talvez para superar uma doença pela afeição e o amor a uma época onde a medecina não era muito eficaz. A liberdade não pode existir sem a dimensão moral que é o respeito e o amor do outro, sobretudo no casamento.

 

 



[1]J. Saramago, Histoire du siège de Lisbonne, Ed. Seuil, 1992, p. 274 : « Or postés face aux cinq portes, l’armée des Portugais n’attendait que ce cri pour se lancer à l’attaque. » traducção : colocado diante das cinco portas, o Exército português esperava pelo grito para iniciar o ataque.

[2]A cruz de guerra, in : Agnès Pellerin, Le fado, Paris : éditions Chandeigne, 2009, p. 223.

[3] Sítio : Câmara Municipal Alcácer do Sal, cultura. Consultado en 2012.

[4] Miguel Gomes, Aquele querido mês de agosto, O som e a fúria, 2008.

[5] Tânia Ganho, A mulher-casa cenas da vida íntima em Paris, Porto Editora, 2012.

[6] Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, LeYa, SA, 2008.

[7]Mouro, palavra que os romanos utilisavam para as populações que habitavam a região noroeste da África, com a Mauritânia. Estas populações juntaram-se aos árabes na conquista da península Ibérica durante o século VIII. A civilização mourisca o moura da Idade Média era principalmente árabe. Ela formará o Reino Mourisco que reune entre Granada e Marrakech um imenso território.

[8] Sólon assumindo o poder absoluto (594 a. C.) o governador anistiou as dívidas dos camponeses, proibiu a escravidão por dívida, aboliu a hipoteca sobre pessoas e bens, libertou os pequenos proprietários que se encontravam escravizados, e impôs limites à extensão das propriedades agrárias… É o inicio da liberdade individual os fundamentos político-jurídico que permitiram o advento da democrática Ateniense.

[9] José Mattose, Os moçárabes, Lisboa Revista Lusitana (Nova Serie) 6 (1985) pp.5-24.

[10] José Mattose, Os moçárabes, Lisboa Revista Lusitana (Nova Serie) 6 (1985) pp.5-24.

[11] Inácia Steinhardt, Raízes dos judeus em Portugal, Assírio Bacelar, Nova vega, 2012, p. 145.

[12] Inácia Steinhardt, Raízes dos judeus em Portugal, Assírio Bacelar, Nova vega, 2012, p. 145.

[13]Pierre Guichard, Al-Andalus 711-1492 : une histoire de l’Espagne musulmane, Hachette Littérature 2000, 2011, p. 157.

[14]Inácio Steinhardt, Raízes dos Judeus em Portugal, Lisboa : Nova Vega, 2012, p. 146.

[15] Rafael Vitola Brodbeck, O canto mazárabe, 28/12/2011.

[16] Moçárabe, ou seja, « entre os árabes », Entrevista com Dom Juan Miguel Ferrer Grenesche de Roberto Rotondo sobre Internet.

[17] O arianismo negava a divindade de Jesus. É uma forma do docetismo como o islão.

[18] Moçárabe, ou seja, « entre os árabes », Entrevista com Dom Juan Miguel FerrerGrenesche de Roberto Rotondo sobre Internet.

[19] Segundo o arianismo, o Filho de deus, segunda pessoa de Deus, segunda pessoa da Trindade, não tinha a mesma essência do Pai, sendo uma divindade de segunda ordem já que nascera mortal. Os ensinamentos de Ário foram condenados no primeiro concílio de Necéia, onde se redigiu um credo estabelecendo que o Filho de Deus era « concebido e não feito », consubstancial ao Pai. Deus é gerado, pela mulher, em Jésus, segunda pessoa de Deus.

[20]Tradução do latino : « pietas adversus deos ». Entrevista com Juan Miguel Ferrer Grenesche de Roberto Rotando. Internet : Moçárabe, seja, « entre os árabes ».

[21] Docetismo vem do grego « dokeo » que significa parecer. A negação da realidade física de Cristo resultou do dualismo.

[22] Inácio Steinhardt, Raízes dos Judeus em Portugal, Assírio Bacelar, Nova Vega, 2012, p. 111.

[23] Inácio Steinhardt, Raízes dos Judeus em Portugal, Assírio Bacelar, Nova Vega, 2012, p. 49.

[24] Tasco de mouraria, Artista Mariza, música Tasco de mouraria, net : Mariza-tasco-de-mouraria.

[25] Uma origem provável de Mateo Falcone, escrito em 1829, é uma anedota dramática da Viagem em Córsega do Abade Gaudin (1787). Intitula-se “Nobreza de alma de uma Córsega”.

[26]Abbé Gaudin, Voyage en Corse et vues politiques sur l’amélioration de cette isle, Paris : Librairie Lefevre, 1787, p.224.

[27] Almeida Garett, Viagens na minha terra, Editora Ulisseia, 2008, p. 91.

[28] Almeida Garett, Viagens na minha terra, Editora Ulisseia, 2008, p. 207.

[29]Léonardo da Vinci, A bonita princesa, colecção privada Peter Silveran.

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29 mars 2012 4 29 /03 /mars /2012 19:17

O túmulo de Tutankhamon desdobra-se como um botão de rosa. Mas não foi uma rosa. Fica um botão para testemunhar o passado. A exposição Tutankhamon em Bruxelas traz o fato que a múmia leva à marca de uma ferida aberta com fratura do fémur ao nível do joelho. Da análise recente da sua múmia permite-nos equacionar algumas hipóteses de que era desportista e em forma! Quando se vê os automóveis ligeiros que mobilam o seu túmulo, parece-me difícil não acreditar que o jovem homem de 19 anos tivesse tido o prazer de conduzi-los com os seus melhores cavalos. A hipótese de uma ferida ligada ao uso destes engenhos não é de ser afastada. Pela sua morte, Tutankhamon aproxima-se das nossas preocupações contemporâneas. A condução de veículos de todos os tempos foi associada à sabedoria devido aos riscos incorridos e às relações sempre existentes entre a educação e o automóvel. Estatisticamente as insuficiências técnicas, ou humanas mostram que é impossível reduzir a zero os acidentes. Mas a melhoria da rede rodoviária, a sensibilização dos motoristas às suas responsabilidades mostram que as percentagens de morte e feridos podem diminuir consideravelmente. O auriga é um tema de todos os tempos. Condução e sabedoria estão associadas. O auriga é um arquétipo da condução da pessoa e da liberdade da alma. Há por conseguinte uma relação entre a condução e a filosofia. As palavras, os acidentes, a educação, o peso dos sentimentos e a liberdade… são as mesmas para conduzir e para falar de filosofia.

As imagens do homem que dirige um ou vários cavalos são frequentes e podem ser muito antigas.
Uma das maravilhas do mundo é o auriga
[1]de Delfos na Grécia, a palavra «auriga» em grego significa «o que detém as rédeas». A estátua é um belo jovem que tem rédeas. A estátua foi parte de um conjunto composto por quatro cavalos que atrelavam num carro. Esta obra datada de 477 antes de J. C.. foi um ex-voto de bronze para comemorar o quadriga vitorioso nos jogos pythianos de 478 e 473 a. C. O estilo artístico da obra é um pouco anterior ao período clássico grego. Este estilo chama-se severo. A simplicidade acrescenta-se à ligeireza e à economia das linhas do trabalho que testemunham a sabedoria do artista. Trata-se bem aqui de sabedoria porque, para conduzir, temos necessidade de sabedoria. O auriga é uma imagem mental que existe hoje através do motorista ou do piloto de corridas de automóveis. A velocidade como a rapidez ou a ligeireza com que nos deslocamos de um local para outro foi um objeto de entusiasmo ou seja de oferendas aos Deuses e ainda hoje os grandes pilotos de automóveis são admirados. O que admiramos é a velocidade, mas também a sua sabedoria « Sophia » para praticar a velocidade com conhecimento de causa. A sua capacidade de testar a máquina e participar apesar do perigo que representa para a sua vida. Reconhecemos as melhorias que traz pelo seu conhecimento e a a sua experiência que nos dá dos  carros mais seguros e mais protectores.


Tudo o mundo concordará com isto. A invenção da roda é o início da invençáo do veículo. Ela permite realizar transportes mais pesados e mais rápidos do que a pé e a cavalo, e com o tempo mais rápidos e mais pesados que a cavalo ou de comboio, o camião por exemplo. Os acidentes com cavalos, os acidentes de viação, de comboio foram de os todos tempos uma causa de gravíssimos danos pessoais e de perdas de vidas. Grace Kelly e Lady Diana são dois exemplos famosos. Nas nossas famílias contamos tudos vítimas da estrada. No tráfego diário, as condições são diferentes das corridas. O filme francês, Les choses de la vie (As coisas da vida)[2]é de uma comovente atualidade. A bordo do seu automóvel, o advogado Pierre Delhomeau, a caminho de Rennes onde ia defender um caso, perde a vida num acidente automóvel. O filme conta os últimos pensamentos dele antes de morrer. Ele deixa dramaticamente aqueles que ama deixando uma carta de ruptura no bolso, carta destinada à sua namorada, e as suas lembranças de alegria de viver.


No contexto da rede rodoviária a sabedoria existe para as nossas responsabilidades que não são as do circuito automóvel. Mas é importante ter alguns conhecimentos em física para compreender as forças que governam a condução de um veículo. Circulando com uma velocidade elevada torna-se mais difícil controlar o veículo. De facto ao descrever uma curva, a força entre os pneus e o pavimento aumenta com o quadrado da velocidade e com a amplitude da curva, o que, juntamente com a inércia do veículo, faz aumentar significativamente o risco de derrapagem e de despiste. Para integrar estes conselhos das seguradoras, temos de conhecer noções simples como a força de resistência, a quantidade de movimento, a velocidade, a massa. São conhecimentos básicos que são necessários a todos e todas, o que não podemos recusar às nossas crianças. A condução traduz o comportamento e a força de alma. Os carreteiros tinham a reputação de jurar quando estavam a manobrar. Jurar denota uma falta de força de alma, no entanto pode ser trabalhado por uma educação que ousa a criatividade e a audácia, superar as dificuldades evitando-as, incentivar a constância no esforço.


É a imagem do auriga que Platão escolheu para falar de retórica. O bem falar, vem da alma. Como em qualquer arte para bem falar é necessário amar. Platão fala por conseguinte de amante a propósito do orador e de amado a propósito do jovem. A alma do amante divide-se em três partes na imagem mental de Platon, o cocheiro, e uma parelha de cavalos. «Por sua vez o eleito deixa-se conquistar como segue : do mesmo modo que, no início desta história, dividimos cada alma em três partes, duas que são, por assim dizer, em forma de cavalo e a terceira de auriga, […] Dois, dissemos, um é bom e o outro não».[3]Entre o entusiasmo e a razão, o desejo e a virtude, saber utilizar toda a sua personalidade permite avançar na sabedoria. O carro alado de Platão avança pelo cavalo desagradável tanto quanto pela reserva e o temor do garanhão. Em francês o termo “garanhão” diz-se « étalon » o que significa também padrão: referência para medir, para julgar e ajustar. Para evitar um discurso que está demasiado a semear, sem matéria mas com os vincos do sensível, da afeição, das preocupações da heurística, a atrelagem precisa de ser bem equilibrada entre a medida e o desejo.

O desejo não é desprezível. «Detestava-o porque esquecia-se de me dar carinho […] Tinha duas razões de respeitar o meu professor : queria-me bem, tinha um hálito forte. […] Não me desagradava ter um ligeiro desgosto a superar : era a prova que a virtude não era fácil. […] confundia o desgosto com o espírito de seriedade. Era snobe. […] «O pai Barrault fede» e tudo girou : fugi chorando. A partir do dia seguinte recuperava o meu respeito para o Sr. Barrault, para a sua gola de celuloide e o seu laço. Mas, quando se inclinava sobre o meu caderno, desviava a cabeça retendo a minha respiração.»
[4]A obra de Jean-Paul Sartres, Les mots (As palavras) descreve a sua relação privilegiada com os seus mestres na sua infância. Dá também uma vista interessante da virtude. Sem negar a viturde, denuncia o snobismo que impõe más condições aos virtuosos que se implicam no estudo e trabalho com seriedade. A virtude não é fácil mais é prejudicial juntar-lhe más condições tais como o odor para o jovem J. P. Sartre. Por exemplo, produzir trabalhando regularmente 14h00 por dia, é prejudicial e esta situação põe os virtuosos na dificuldade.


No filme Décomposition symphonique n°9 pour accident de voiture[5]de Félix Etienne Tétrault podemos ouvir o som de uma respiração ou talvez o barulho da assistência respiratória acompanhada de baterias mais ou menos fracas de intensidade com sons agudos que recordam barulhos de máquinas, ritmos que dizem a vida. Quando o fôlego cessa então tudo acaba. Esta música de uma morte por acidente toca as nossas consciências. Todos os motoristas sabem que comprometem as suas vidas, as dos que o acompanham e a de terceiros presentes no tráfego em perpétuo aumento. Sadako Sasaki lança as suas mil gruas que acompanham a legenda de paz do origami. «Escrevi a paz nas tuas asas e voas pelo mundo de modo a que mais nenhuma criança morra assim». São as palavras de Sadako Sasaki. Quando a pessoa morre a sua rosa fecha-se sobre ela, a sua luz deixa o mundo sensível. Os modos de ser e a liberdade não estão ligados aos acidentes. Seria um pessimismo pensar contra os estoicos que os acidentes determinam as nossas escolhas, a nossa consciência. Seria um pessimismo acreditar que as chantagens ao trabalho, a amizade, a calúnia, a prisão pudessem alterar a pessoa. Gilles Deleuze na Logique du sens diz que tudo se joga na ligeireza de estar, no existir, nas crostas frágeis do dia a dia, do trabalho que fazem a vida, que fazem o ser, o plano da existência. O drama é morrer, escrever a carta como Pierre, a personagem de Paul Guimard, ou de estar desprezando, tudo o que faz os
cortes com o semelhante. Quando Pierre Curie, inventor com a sua esposa Marie da radiologia tão necessária à redução das fraturas, morreu sob um veículo pesado, quando Archimede, inventor do cálculo infinitesimal, é morto gratuitamente por um soldado, a relação cada vez é interrompida. A luz retira-se. A humanidade fecha-se um pouco. O ser existe no estar, na presença, na carne. Na morte, o pensamento da pessoa junta-se à memória e ao pensamento de Deus. Permanece movente para inspirar a criação amorosa do visível e do invisível. Na ressurreição, o céu da matéria volta a ser um elogio à Deus que manifesta assim o seu amor sobre todos os céus dos seus filhos. A imagem mental das gruas de Sadako Sasaki está no coração dos homens de todos os povos. A sua legenda está como o pássaro, uma relação entre lugares distantes da geografia física, do coração, do espírito ou da alma, quase nada entre o céu e a terra como os seus pequenos papéis dobrados ou como os papéis do Tibete. O acidente fecha uma rosa. Quando uma pessoa morre num acidente, todos têm a responsabilidade deste recue.


Quando estamos a conduzir os riscos nunca são zero. É necessário diminui-los para respeitar o outro, a sua vida e seus compromissos na sociedade. Para que as flores não permanecem em botão como no túmulo de Tutankhamon. A atualização do túmulo para os cientistas de hoje permite precisar as circunstâncias da morte e mostra esta família reunida com afeição no túmulo. « O importante é a rosa »[6].


A mensagem do Gorgias não é um interrogatório da retórica mas do mau uso que dela pode ser feito. Platão teme a retórica que persuade em vez de transmitir o saber. Ele vê lá um risco para a liberdade da alma e a República. Ele denúncia a desregulação de Callistes, o que está sem se preocupar dos outros : «E a alma? será boa quando nela predominar a desordem, ou quando estiver em ordem e harmonia?»[7]Na tradução francesa, a ideia de desregulação é mais precisa.
« Et notre âme sera-t-elle bonne si elle est déréglée ou si elle est réglée et ordonnée ? »[8] Giorgias acaba por um monólogo para a consideração dos silenciadores esses que não têm liberdade para se expressar e também os mortos. A presença ressonante deles estabelece a consciência. E se Platão tivesse tido esta palavra «consciência», ter-la-ia usado aqui. Na falta dela, ele dá-nos uma descrição da consciência que é útil para nós. No Gorgias, a imagem do homem morto, nú que julga, é o virtuoso frequentemente silencioso que não tem vergonha da sua nudez porque não tem nada a esconder, a imagem da verdade. Todos esses que morreram na estrada constituem o julgamento das mortes. Eles julgam a necessidade de uma conduta caridosa ao mais lento, velho ou cansado ou na posse de um veículo mais pesado, lento a travar ; os mais jovens que ultrapassam sem calcular bem as distâncias… As mortes também são as crianças, os passageiros, os peões, toda esta população inocente que vê-nos conduzir perdida nos choques das máquinas. São eles que nos julgam. « O juiz, também tem de estar nu e morto, para examinar com a sua alma as demais almas, logo após a morte, desassistido dos seus pais e que deixe todo esse ceremonial na terra de modo a que o julgamento seja justo. »[9]


A imagem do carro alado no Fedro de Platão é uma matriz. Quer dizer que é difícil distinguir a metáfora heurística do objeto discutido, a alma. Esta incerteza deixa um largo espaço virtual à reflexão. O Gorgias ameaça as pessoas do inferno. A sua chama é o olhar escaldante das inocentes mortes. Quando o julgamento da consciência é pronunciado como sendo favorável, então o céu de Fedro abre-se e a existência virtuosa metamorfoseia-se em sobrexistência amorosa, num existencialismo do amor. O Fedro é uma matriz voltada para o deus Eros (luz, místico) que é o amor componente da relação. Este amor, então, pode existir com todas as dobras da humanidade passadas no crivo da dialética e da virtude. Assim, volta a dar a sua importância à retórica que tinha sido eliminada pela corrupção. Naquilo, Platão está contemporâneo aos nossos problemas. Uma condução sem amor é perigosa.

 



[1]Museu arqueologico de Delfos.

[2]Claude Sautet, Les choses de la vie, 1970, filme com Romy Schneider et Michel Piccoli. O livro é de Paul Guimard, Les choses de la vie, Ed. Folio, 1973. O filme está à origem do livro.

[3] Platão, Fedro, Tradução : José Ribeiro Ferreira, Biblioteca Nacional de Portugal, Edições 70, 2009, p. 71.

[4]Jean-Paul Sartre, Les mots, Gallimard, 1964, pp. 66-68. « Je le détestais parce qu’il oubliait de me choyer […] J’avais deux raisons de respecter mon instituteur : il me voulait du bien, il avait l’haleine forte. […] il ne me déplaisait pas d’avoir un léger dégoût à surmonter : c’était la preuve que la vertu n’était pas facile. […] je confondais le dégoût avec l’esprit de sérieux. J’étais snob. […] « Le père Barrault pue » et tout ce mit à tourner : je m’enfuis en pleurant. Dès le lendemain je retrouvais ma déférence pour M. Barrault, pour son col de celluloïd et son nœud papillon. Mais, quand il s’inclinait sur mon cahier, je détournais la tête en retenant mon souffle. »

[5]Félix Etienne Tétrault: Decomposition simphonique n°9 para acident de carro, 2010, Internet: Artflx.olympe-network.com.

[6]L’important, c’est la rose, palavra : Louis Amade, música : Gilbert Bécaud.

[7]Platão, Gorgias, tradução : Carlos Alberto Nunes, Internet : scribd.com, LIX.

[8]Platon, Protagoras, Euthydème, Gorgias, Ménexène, Ménon, Cratyle, traduction : Émile Chambry, Flammarion, 1967, p. 256, 504b.

[9]Platão, Gorgias, tradução Carlos Alberto Nunes, Internet : Scribd.com, LXXIX, 524a.

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23 mars 2012 5 23 /03 /mars /2012 18:04

Os portugueses gostam de utilizar azulejos nas suas obras arquitectonicas  ? A geometria das decorações recorda às vezes a arte óptica em ritmos que cansam o olhar. Os motivos dos anos 60 não estão mais ao gosto dos nossos dias mas as realizações recentes testemunham a flexibilidade da humilde faiança.

A sua utilização assegura aos nossos interiores o conforto da limpeza nas casas de banho , nas cozinhas e nos hospitais. A louça de faiança no museu da marinha em Belém mostra a sua importância na melhoria das condições sanitárias dos viajantes para viajar mais tempo e mais distante. A faiança apresenta grandes qualidades de cores que iluminam os interiores tanto quanto as fachadas pela sua maneira de reter a luz. As cores não se alteram durante os séculos, fazendo da faiança um testemunho fiél das artes decorativas. A técnica usada na faiança e a historia não se opõem mas revisitam-se perpetuamente na criatividade dos seus artesãos. A faiança é uma técnica corrente das artes e da arquitectura. Esta frequência e a sua relação com a racionalidade permite de repôr a pergunta da estética.

O farol de Cascais é uma parte do Forte de Santa Maria. O Forte tem uma arquitectura militar seisentista. Foi construida quando o Conde de Cantanhede era Governador das Armas de Cascais. Em 2003-2005 com o projecto de recuperação do imóvel[1] de Cascais, as paredes são rebocadas e pintadas de branco. O interior do forte é pintado de branco e com azulejos monocromaticos brancos com um tom cinza-verde. O farol é exteriormente revestido de azulejos monocromaticos brancos e azuis.

As formas geometricas dos quarteis e as paredes brancas altas em azulejo ligeiramente esverdeado recordam o lado científico do farol e do museu. A luz da construção que reflete durante o dia, lembra a luz do farol à noite, do conhecimento do museu, pela apresentação das óticas de faróis e o seu poder de augmentar, magnificar a luz.

 

Em Lisboa, na Rua do Alcrim, foi recentemente construido um edifício do arquitecto Álvaro Siza Vieira. Os Terraços do Duque de Bragança propõem uma revisitação ao tema tecnico-científico usando o revestimento cerâmico. A arquitectura geométrica branca e a luz dos azulejos aclara a rua Alecrim. Como no farol, a aparência técnica que dão as formas geométricas da faiança junta-se a preocupação de conforto que traz a modernidade a estes apartamentos. Em 1998, Ivan Chermaieff utilizou o vocábulo técnico do azulejo nas composições do Oceanário. Recuperou a tradição de manufacturação do azulejo padrão para a figuração de grandes animais marinhos, tratada informaticamente.

 

O vocabulario dos azulejos é também útil ás imagens mentais da literatura de Lobo Antunes. Prisioneiro na cidadela interior da consciência, as suas imagens mentais surgem do seu amor para a Sofia, a saudade de sófia que não existe sem as relações. As descrições de Lobo Antunes fazem sobressair a carne imprecisa e imperfeita da humanidade na luz dos quadrados de faiança dos hospitais e das sanitas. Lobo Antunes é um médico e conta-nos o homem dissociado, disfarçado, desumanisado. Nada é separado e no seu aquario aseptizado impessoal o homem torna-se peixe, animal. Os ajulejos vêm demorar na pele no aquário brilhante impessoal que faz a quarta. « Quando ensaboo a cara, Sofia, sinto as escamas vitreas da pele nos meus dedos, os olhos tornam-se salientes e tristes como os dos gorazes na mesa da cozinha, nascem-me barbatanas de anjo dos sovacos »[2]. As escamas dos azulejos vidrados são os atributos do silêncio e o frasco, a imagem do caixão de chumbo. A mulher de quem gosta chama-se Sófia. Se esta mulher for a sabedoria, talvez a filosofia, então um sentido novo aparece. Sem amor e só com o desejo de universalidade, o ovo de ouro perde-se. « esta sede de amor raivoso que te escondo »[3]. « as rugas que em torno da boca se multiplicam numa fina teia misteriosa, idêntica à que cobre de leve os quadros de Leonardo »[4]. As obras de Leonardo da Vinci não puderam ser conservadas, não transmitiu a receita da sua pintura por negligência ou temor de compartilhar. O seu saber perdeu-se e com o tempo, o saber levará com ele as obras do mestre. O saber não pode ser sem amor. O temor e o terror destroem o amor e a Sofia. « Eu estava farto da guerra, Sofia, farto da obstinada maldade da guerra e de escutar, na cama, os protestos dos camaradas assassinados que me perseguiam no meu sono, pedindo-me que os não deixasse apodrecer… »[5] O médico permanece sozinho fechado nos seus conhecimentos geométricos da ciência. Porque a ciência não pode fazer nada, sem o amor, o meio da guerra. Para o autor de Os Cus de Judas, a ciência é uma prisão sem escuridão, sem dobras, apenas uns reflexos da humanidade. O seu amor fica sozinho na impessoalidade dos quadrados de faiança. Mas as suas obras são o encontro do amor na prisão da ciência. O vocabulário médico e a saudade tornam-se o molde e o negativo, a imagem escura que fica nos quadrados fechados e brilhantes da limpeza necessária. O personagem de Sofia permite um monólogo onde se exprime o sofrimento de viver sem a infancia, sem a alegria da amizade e do amor, na prisão do silêncio, na decepção das relações humanas. « lucidez sem ilusões dos bêbados de Hemingway que passaram, gole a gole, para o outro lado da angústia, alcançado uma espécie de serenidade polar […] Talvez desse modo se consigam sorrir risos de Sócrates depois da cicuta […] e consiga enfrentar a ferocidade da manhã dentro de um frasco de Logan que a proteja, tal como os cadáveres dos bichos se conservam em líquidos especiais nas prateleiras dos museus […] não se sentir perseguido pelos impiedosos fantasmas da propria solidão, de que os rostos sardónicos e tristes, tão semelhantes ao nosso, se desenham no vidro para melhor nos troçarem : há derrotas… »[6]. Nestas páginas antes a Sofia, dentro a saudade da Sofia, nos reflexos da luz no vidro as luzes sombras destacam-se onde a imaginação incita a ver os duplos de si mesmo onde o pensamento toma formas novas. O “imaginal”[7] forma-se sobre a superfície brilhante dos azulejos, nos reflexos luminosos da ciência impotente na frente do mistério da vida

« Uma das coisas, aliás, que me encanta em si, permita-me que lho afirme, é a inocência, não a inocência inocente das crianças e dos polícias, feita de uma espécie de virginidade interior obtida à custa da credulidade ou da estupidez, mas a inocência sábia, resignada, quase vegetal, diria, dos que aguardam dos outros e deles próprios o mesmo que você e eu, aqui sentados, esperamos do empregado que se dirige para nós chamado pelo meu braço no ar de bom aluno crónico : uma vaga atenção distraída e o absoluto desdém pela magra gorjeta da nossa gratidão. »[8]

 

Os trabalhadores silenciosos sabem que a humanidade não se resume aos números da produção. Tudo se joga entre a situação limite da sala de operação, onde os motivos poderiam desconcentrar a equipa médica, e a alegria de viver da criança presente em nós quando cantamos um refrão. Todas as pessoas têm o direito de guardar um pouco de tempo para compartilhar a alegria de viver na amizade e que a criança não se afasta da vida. « Eram felizes os gaiatos do Bairro Alto. Sentiam uma alegria interior muito grande e a esperança de serem sempre crianças. Eram donos da tradição da rua. Rapazes befejados pela sorte de terem vida. […] Tenho certeza que uma dela é a minha mãe, afirma o Bexigas com convicção e com os olhos cravados de saudade ».[9] A saudade é a capacidade de fazer marcas da vida, como as rugas ou a cicatrizes da varicela por exemplo, as estrelas e os sinais de um lugar ou uma terra[10] nova da alma onde viver em poeta.

A humanidade é desfigurada mas não é Antonio Lobo Antunes que tem os argumentos para denunciar o homem dividido na análise da ciência, nem é mim que parará os massacres dos inocentes[11] no egoísmo. A consciência de cada um pode sozinha vencer a desmoralização, a recusa da sabedoria. A batalha contra o sofrimento não tem fim e não pode ser só a responsabilidade do autro. Onde os padres da Igreja não conseguiram, onde os médicos não conseguiram, os poetas e os políticos não conseguirão também. Talvez a importância não seja a de conseguir mas de reconhecer a importância de cada um no amor e na simplicidade para abrir-mos as portas das citadelas dos medos.

 

Mesmo nas mais ocidentaies formas e vocabulário do pensamento como a ciência e a geometria e o numérico, a poesia e as imagens dos nossos sonhos encontram sombras ou reflexos onde o mundo imaginal se renova incessantemente. A superfície, mesma lisa, multiplica-se para surexistencias maravilhosas nas lagunas brilhantes do mundo sombrio dos peixes silenciosos, nas imagens mentais dos trabalhadores silenciosos. Temos necessidades da poesia e da escrita dos trabalhadores.

 



[1] Arquitectos Francisco Aires Mateaus e Manuel Aires Mateus, o projecto das estruturas é da autoría do engenheiro Joel Sequeira e a instalação electrica de Joule, o programa museológico é da responsabilidade de Joaquim Boiça, fruito de uma parceria entre a Câmara Municipal de Cascais e o Estado Maior da Armada Portuguesa.

[2] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide Portugal, p. 159.

[3] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide Portugal, p. 160.

[4] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide Portugal, p. 160

[5] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide Portugal, p. 162.

[6] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide, p. 140-141.

[7] O « imaginal » é uma palavra inventada por Henry Corbin a propósito da obra de Sohravardi. O imaginal é a projeção poética dos nossos pensamentos sobre o mundo sensível ao momento da tomada de consciência de algo. O imaginal é então também um meio heurístico de uma tomada de consciência comum, e uma transmissão dos conhecimentos, porque a consciência é o objecto primeiro do saber.

[8] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide, p. 25.

[9] Raquel Baltazard, Os gaiatos, Lidel, 2011, p. 18-20.

[10] A saudade aproxima se do imaginal de Henry Corbin, da boémia descrita na crónia de Cosmas, e na poésia de Fernando Pessoa e nas palavras de Bruno Schulz : « Ce qui m’unit à ce poète (Julius Wit) n’est pas seulement le même pays natal, la même contrée terrestre. S’il existe une géographie spirituelle, si dans ce monde intérieur nous occupons tel cercle, telle sphère nos confins avoisines… »Bruno Schulz, Œuvres, Paris : Ed. Denoël, 2004, p. 407.

[11] António Lobo Antunes, Os cus de judas, Edit. : Leya, rua Cidade de Córdova, n°2, Alfragide, p. 26.

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26 novembre 2011 6 26 /11 /novembre /2011 14:52

Portugal beneficia de bonitos edifícios, palácios, castelos, abadias, pontes, estradas. O povo português na sua diversidade participou de livre vontade ou de força para estas maravilhas como testemunha a história da construção de Mafra, na novela de José Saramago Memorial do convento.

 

O exemplo da construção do capítulo do mosteiro de Batalha é interessante. Este tem 19 metros quadrados e 20 metros de altura. O projecto era considerado tão perigoso, que só foi construído através de condenados e ruiu duas vezes durante a construção. De acordo com a lenda o arquiteto mestre Huguet teria dormido lá de livre vontade para convencer aqueles que duvidavam.

 

As bibliotecas, nas suas arquiteturas, são preciosas. Mais prático e mais estético é a da Universidade de Coimbra. Ela tem decorações inspiradas pela China. A de Mafra também é magnifica mas a decoração não foi terminada. E não falei de biblioteca de Evora.

 

O acolhimento português é famoso no mundo. Portugal tem os mais bonitos hotéis com a melhor qualidade de serviço. Nomes famosos como Buçaco, Tivoli em Sintra estão associados não somente a lugares mágicos mas igualmente a hotéis de grande qualidade.

 

Estes alguns exemplos do Portugal, que conta com uma multidão de monumentos, só tem o fim de mostrar de que a construção de um palácio ou um mosteiro excede aqueles que os utilizam.

 

A riqueza de um país como Portugal não pertence-aqueles que fizeram construções. Mas eles estabelecem a herança (héritage) cultural e a identidade das pessoas que se encontraram ao redor de um projeto real além da sua variedade, cultural, histórica. Os gerentes de projeto que eram de nacionalidades diferentes podem ter dado a estes monumentos um estilo internacional. Este fenômeno também existe no nosso tempo.

Tendo esta, monumentos poderiam ser devolvidos aos usos de origem, como o castelo de Guimarães que recuperou novamente o poder político. Por que não fazer o mesmo com certas abadias com um tipo de usufruto.

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26 novembre 2011 6 26 /11 /novembre /2011 14:50

A criança não tem necessidade de ler e de saber ler.

 

Desde há um ano na rua, em lugares públicos como a igreja ou na sala de espera de um medico, pude constatar que certas crianças entre dois e cinco anos eram estrábicas. Estas crianças não levavam óculos. Pareceu-me também estar em contato com uma criança fortemente míope que não levava óculos. Em todos os casos, não pude fazer nenhuma pergunta e despitagem porque o encontro foi demasiado curto. Não pensei mesmo em entrar em contato com os pais tão poucos foram os minutos que nos reuniram.

 

Na medida em que sou ótica, desejo falar sobre a minha preocupação no meu Blog. Esta preocupasão talvez não seja justificada porque as crianças que encontrei por azar, talvez, há muito tempo, têm sido seguidas por um oftalmologista e têm podido fazer nada. Um óptico pode incitar as crianças a ver um oftalmologista para fazer um controlo médico o mais depressa possivel. A minha escola dizia : « Não há idade para detectar um problema visual ». Não é demasiado cedo para se assegurar da visão do seu filho. Com a técnica moderna, existem instrumentos para medir o defeito visual. A criança não tem necessidade de ler e de saber ler.

 

Esperar divide as funções de convergenciâ e de acomodação. No caso de defeito forte, o cérebro suprime uma imagem, por conseguinte, suprime a função de um olho. Se um olho não trabalha numa idade mais jovem, ele vira para o nariz. O pior é que se pode virar só um pouco, e então os pais não vão ver nada do que se passa, e não vão achar que é importante ver um médico. Quando o olho se voltou, jà é muito tarde e mais dificil para o médico recuperar a acuidade visual da criança.

 

O mais doloroso é ver crianças que têm um atrasa psicológico e cujos defeitos visuais não são tomados em conta. Esta advertência é certamente inútil porque é certo que desde há muito tempo os pais se preocupam com a visão dos filhos o mais cedo possível. Mas acho que não é mau repetir.

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6 août 2011 6 06 /08 /août /2011 10:34

Durante os meus cursos do português, nós fizemos o papel de vendedor de caixão. O assunto divertiu-me. Um dos argumentos da vendedora era que o caixão era vermelho.

 

Sendo um seguidor, ocasional, do grande humorista francês Claude Serre, permiti-me, um dia depois, fazer humor negro com as palavras das lições. Era sobre brincos e piercings… . Em resumo, dentro do éforço para avançar na aprendizagem da língua, eu deixo-me ir ao prazer de um humor negro, um humor sem alma, um humor de sombra preocupado com o corpo.

 

Os portugueses dizem « humor negro » e os franceses « humour noir ». « Niger » significa, muito simplesmente, preto em latino. Então, perguntei-me o que humor queria dizer em latino. « Humour » vem de « humor » que quer dizer húmido. A humidade da terra é necessária de modo que o trigo não seque. Em latim diz-se : « Aliud cecidit super petram, et natum aruit, quia non habebat humorem. »[1]. Sem a humidade o trigo morre. O evangelho do semeador diz que uns trigos caiem sobre a pedra, crescem, e secam por falta de humidade. O trigo que cai em cima da pedra faz uma imagem mental. Não é só a metáfora das almas duras, ela é igualmente a metáfora dos almas sem humor, sem emoções.

 

A palavra « humour » provém do inglês humor, ele mesmo vem do francês « humeur », e do latim humor (liquido). Ná origem, a palavra humor teve um sentido unicamente médico. Ná Idade Média, havia uma teoria dita « sobre os humores ». Ela considera que, no homem, havia quatro humores ou fluidos principais, A bílis preta, a bílis amarela, a fleuma e o sangue, que são produzidos por diferentes όrgãos do corpo. O equilíbrio dos humores permitia permanecer em boa saúde. Por exemplo, demasiado fleuma no corpo provocava perturbações pulmonares e o organismo tentava tossir e cuspir para restabelecer o equilíbrio. A harmonia dos humores era reencontrada através de um regime alimentar, dos medicamentos e da sangria.

 

A linguagem corrente conduz a utilizar a palavra humor para evocar emoções. Cada um pensava ainda, no século XIXe, que as perturbações do comportamento ou os temperamentos provinham de certos líquidos que corriam nas veias. Este engano explica a derivação e a mistura que se operam sobre o termo « humor ». A conceção grega da catarse como modo de tratamento terá consequência sobre certas éticas. Este arcaismo médico encontra ecos, a propósito da sexualidade e da dissolução, em Montaigne inspirado por Cícero. Todos vão estar de acordo com a ideia que não é possivel haver sexualidade com todos os typos de corpos[2]. O épicurismo tem os seus limites, que denuncia Sigmund Freud, quando a infância não é respectada. A psicanálise aparece numa Europa angustiada onde reaparecem os movimentos messiânicos libertinos como o sabataísmo[3].

 

Sigmund Freud dá uma má definição da estética por ser completamente independente e libertada de qualquer orientação utilitária das coisas. Felizmente, ele excede esta concepção para ver as tendências do espírito e de qual maneira o espírito serve as coisas[4].

 

O humor negro, como o jogo de espírito, pode ser uma maneira de se defender. É agressivo porque não é privado de crueldade. O humor negro oferece imagens mentais onde cada um se pode reconhercer e bulir.

 

Sigmond Freud diz que o cómico tem a sua localização psíquico no préconsciente[5]. O préconsciente é a relação entre o inconsciente e o consciente. O humor de Claude Serre tem a capacidade de revelar o inconsciente. A profissão médica é geralmente adepta das obras de Claude Serre. Encontra-se nas familias de médicos o livro Humour noir et hommes en blanc[6]. O inconsciente do médico, as suas angústias na frente das suas responsabilidades revela-se nos seus desenhos. Os pacientes podem também apreciar. Este olhar sobre o hospital faz sair certas angústias do inconsciente. É normal ter medos, mas não é facil compartilhá-los. Humour noir et hommes en blanc permite uma consciência coletiva no humor mesmo se é negro. Claude Serre desenhou outros álbuns como L’automobile[7], por exemplo.

 

De acordo com Sigmund Freud, o prazer vem da elevação à idade adulta. « Esta elevação, diz, o adulto poderia bem tirá-lo da comparação de seu eu actual e seu eu infantil. Esta opinão encontra-se, até certo ponto, corroborada pelo papel atribuído ao infantil no processo neurótico do recalcamento. »[8]O infantil não faz necessariamente referência à infância real mas ao personagem psicológico da criança como metáfora na descrição analítica do espírito humano. Sigmund Freud faz talvez um erro quando está a falar de elevação para a idade, como vamos ver adiante. Não podemos dizer que há elevação, mas dialoga entre os papéis que a pessoa dá a ela mesma. Esta igualidade permite evitar a desvalorização do papel da criança numa pessoa.

 

A componente energética presente na ideia de transfêrencia poderia deixar acreditar que Sigmund Freud não se demarcava da antiga teoria dos seus desequilibrios. Mas tudo é diferente com Sigmund Freud, a transfêrencia efectua-se na matéria espiritual e a sua ação tanto quanto na ação do corpo. Simbolização permite escolher e controlar os seus atos. A palavra de espírito ou a imagem mental são atos que simbolizam as angústias e « poupam a energia necessitada pela inibição »[9]destas angustias. E aquilo é particularmente verdadeiro para o humor negro. O prazer do cómico vem da economia do investimento e o prazer do humor vem da economia do sentimento. Fala-se de humor negro porque sobre os assuntos como a morte ou a doença, permitem poupar não somente a energia necessária para a inibição mas a necessária para o sentimento. A riqueza da descoberta de S. Freud referir-se-á simbolização, à transfêrancia da energia afetiva para atos criativos. Uma alma vais ser criativa, pode consolar… se é sensivel, afetiva, atenta, se está pronta para se investir, se ela tem tudo o que faz o « humorem », o amor. A relação bem sucedida em humor não é sem amor. A pessoa é mais sensivel ao humor se é generosa. A ironia é sem amor, Impede a realização no pensamento e no mundo, a mistura alquímica dos sentimentos e da ação.

 

À ironia, falta o humor, a participação da vida. Ó humor pode ser o que range, se não for um meio de exclusão, então se ele for a prova de uma preocupação comum de avançar junto da humilidade e da simplicidade da vida terreste. Este é possivel a uma condição que a simplicidade e a humilidade não sejam uma renúncia mas um compromisso de uns com os outros na sociédade.

 

« Todos os homens não são capazes de resto de adoptar o atitude humorística ; Está lá um dom raro e precioso, e em muito falta até que a facultade para desfrutardo prazer humoristico que nós lhes oferecemos. E finalemente quando o superego tenta, pelo humor, consolar o eu e o proteger do sofrimento, Ele não nega a origem dele a diversão dela da instância parental. »[10]

 

A abordagem de S. Freud não parece distant da obra Arte Poética de Aristóteles, a concepção dele de arte como meio para respeitar o equilíbrio psíquico, o rire como catarses. Mas, poderia ser interessante distinguir várias coisas : que está sem distancia, tirar a vela do inconsciente e a distenciâ tomada com si próprio, o rire e a ironia, a sátira, a comédia e o drama. Estes duplos na arte o na imagens mantais são úteis a o conhecimento dele. Temos de fazer a diferença entre tirar a vela para o saber e revelar. Revelar significa dizer um segredo. Ora, à nossa época o conhecimento não é resevado para alguns. Jà é revelado. Porque não podemos saber quem são estes alguns. É um princípio democrático. A democracia não pode existir sem o conhecimento. Com reservas que sabemos os limites da nossa humanidade e que reconhecíamos o trabalho dos outros.

 

A distância tomada com si mesmo é um tema recurrente do pensamento oriental através da imagem da ave que deixa a pessoa para retornar iniciado a ele no Um.

 

No espelho do amor humano, é possível ver a sua alma. Não se pode esquecer os perigos do amor físico sem pureza, o amor não sagrado, e não virou a Deus. A pergunta é difícil e prefiro deixar a palavra com a poesia. A impureza separa de Deus. Deus poderia dexar a noiva dele se ela não fosse virgem. A noiva pode ser considerada como a alma no pensamento oriental.

 

« Se busco o meu coração, encontro-o no teu quintal,

Se busco a,minha alma, não a vejo a não ser nos cachos do teu cabelo.

Se bebo água, quando estou sedento

Vejo na água o reflexo de teu rosto.

 

Quero fugir a cem léguas da razão,

Quero de presença do bem e do mal me libertar,

Detrás do véu existe tanta beleza : lá está o meu ser ;

Quero enamorar-me de mim mesmo,

Ó vós que não sabeis !

 

Na jardim, há mil bonitas com os rostos lunares.

Há rosas, violetas que cheiram o almíscar,

E esta água que cai gota a gota no riacho,

Tudo é pretexto para meditação… Há só Ele… só Ele. »[11]

 

As passagens pelo mundo sensível, e o céu de Mercúrio, determinam a presença de Deus, a Origem. A humanidade não pode negar um céu para encontrar Deus, ou da sua presença para o mundo sensível, ou da caverna estrelada. Iblis é este que salta céus e cai mais baixo que o último céu.

 

« A condição destes povos muito antigos era ainda a de uma humanidade celestial, que quer dizer que, contemplados todos os objetos possíveis no mundo e à superfície da Terra viam-no certamente, mas pensavam, por eles, as coisas celestiais e divinas… » [12]O engano de Henry Corbin foi de pôr estes povos no passado quando são os contemplativos, os observadores, os namorados, todos os papel, as dobras de cada uma das nossas almas.

 

De acordo com Rumi o mundo sensível e a beleza são uns caminhos para Deus. Como vimos, Deus passa pelo relatório da vida. Mas Sohravardi[13]vai mais longe. Sohravardi escreve que os deficientes, os doentes, as mulheres e as crienças têm muita proximidade com Deus. Há uma importância no respeito pela pureza da infância, da virgindade, do respeito pelo corpo, em resumo pela diferença. O humor é possivel quando a pessoa preservou a sua infância tanto quanto a sua instância parental.

 

A abordagem religiosa não é em oposição com a abordagem cientifica quando Sigmund Freud escreve que sob a influênçia da educação se produzem os recalcamentos enérgicos, desde a infãncia, de certas tendências da sexualidade infantil[14]. Estes recalcamentos são necessários para assumir uma vida adulta de acordo com as vias normais[15]. Os papéis da família, da escola, da educação preparam o papel social.

 

De acordo com a abordagem psicanalítica, é necessário não expôr as crianças a certas imagens do humor negro que são as imagens recalcadas. Isso refere-se igualmente aos adultos na medida em que é feito violencia ao papel da criança. A criança é a metáfora da dobra do espírito para o qual a educação faz obstáculo a certas derivações comportamentais e permite assim ao espírito, libertado da preocupação de reprodução, de orientar-se para vias mais criativas. A criança é então o resultado de um papel moral. Saída do pensamento de S. Freud parece-me interessante inclinar-me sobre a análise transacional. Ela consiste no estudo e na luta contra a deficiência de certas relações no isolamento dos atores da empresa em papéis restritivos. Um destes enclausuramentos é a metáfora da infância que representa, na pessoa ou na relação, a que acantonar-se-áo papel das emoções espontâneas, ou da intuição e da expressão dos sentimentos. Uma demasiado grande generalização destes modelos representa um perigo de esquematização. Da mesma maneira que Kafka denunciava os papeís demasiado marcados do Pai, a nossa época tem necessidade de ver o despeito que ela tem pela infância e o relatório inábil da amoralidade que associa à infância. A análise transacional é muito útil mas é importante saber que não tem conta dos papéis do mendigo, do jogador, do investigador, do sonhador… porque o seu resultado é a dobra do adulto. A análise transacional acompanha, mas não diz claramente qual é a relação entre as componentes da personalidade e tudo o que faz a beleza do ser ao mundo. Quando Sigmund Freud fala de sexualidade infantil ou sexualidade em geral opõe as dobras físicas da sexualidade homem, mulher, criança aos papeís morais que a vida nos dá, mendigo, sonhador, racional, sedutor… . A distenção não é fácil ; Por exemplo, a viúva terá a assumir um papel moral de pai em mais do que de mãe. Isto não é contraditório na medida em que cada um leva nele um « animus » e um « anima », para retomar os termos de Karl Gustav Jung. As pessoas físicas podem tornar-se pessoas morais ou ter papéis morais. A pessoa moral da criança está presente em cada um como direito a uma ingenuidade.

 

A análise transacional serve a pessoa moral[16]da empresa. Na França, a declaração dos dereitos do Homem permite um justo equilíbrio entre a pessoa moral e o indivíduo.

 

Recordemos duas coisas do assunto do humor negro : a necessidade de compartilhar a angústia e a importância das barreiras do recalcamento. Estes dois elementos parecem contraditórios em redor do humor negro. Certas imagens do humor negro funcionam apenas como se fossem consumidas com grande moderação e se a pessoa souber ser preservada dos seus papéis de criança, de parente, de irmão, de irmã e se realmente existir um diálogo entre os diferentes papéis que o indivíduo assume. Para falar de maneira mais geral, certas angústias não se compartilham em todas condições e situações.

 

Esta conclusões poderão parecer de uma grande banalidade como a retoma dos papéis da escola, da família, a importância da arte, do humor. A psicanálise, como toda a Ciência, mesmo nas suas trincheiras mais complexas, nunca desiste-se do bom senso e junta-se às preocupações de parente atento a transmitir as regras da moral.

 

A moralidade não pode ser relativista. A moralidade é todos os princípios, as regras, os valores a que se dá uma sociedade. Estes elementos estabelecem a consciência coletiva e individual da sociedade. Entre a entidade legal da sociedade e a pessoa individual não são necessariamente os mesmos interesses mas não há nenhuma mudança de medida. E quando Deus deu dez ordens a Moisés, Ele passa pela pessoa natural de Moisés. Jesus dá no Novo Testamento, um aspeto de qual é a moral, por via da pessoa natural dele. Ele mostra o compromisso dele para o mundo. A moralidade é a medida não relativista de uma sociedade. A moralidade que está na balança humana, pode evoluir de acordo entre as consciências coletivas, as consciências morais, as consciências individuais. Não se pode confundir divergência de interesses e divergência de medida onde entra em jogo a relatividade.

 

As regras morais não são as mesmas em cada sociedade. Mas há uma parte, não relativista, universal da moralidade onde todos unem os interesses das pessoas particulares e das pessoas morais. A comunidade internacional poderia reconhecer mais claramente os direitos das pessoas morais, da criança, da mulher, e também do homem. A pessoa natural que representa a entidade legal da criança não seria necessariamente uma criança sabendo que cada um tem uma parte de infância que precisa de ser protegido.

 



[1] Padre Antonio Vieira, Sermões, Porto : Lello & irmão-Editores, 1959, volume I, pp 3-38.

[2]Não podemos haver sexualidade com todos os typos de corpos contrariamente a os propósitos de Cícero e de Montaigne. « Conjicito humorem collectum in corpora quoeque » Cicéron, Tusculanes cité in M. de Montaigne Essais III, Gallimard, 2009, p. 79.

[3] Sabbataïsme do nome de Sabbataï Tsevi 1666 um dos mais famosos dos falsos messias.

[4] Les « tendances de l’esprit et de quelle manière l’esprit les sert » S. Freud, Le mot d’esprit et son rapport à l’inconscient, Macintosh, Chicoutimi, 2002, p. 86-87.

[5] « Le comique a sa localisation psychique dans le préconscient » in S. Freud, Le mot d’esprit et son rapport à l’inconscient, (trad. Marie Bonaparte, Dr. M. Nathan) Paris, Gallimard, 1971, (cégep de Chicoutimi) p. 205.

[6] Claude Serre, Humour noir et hommes en blanc, Glenat, 1972.

[7] Claude Serre, L’automobile, Glenat, 1976.

[8]« Cette élévation, dis-je, l’adulte pourrait bien la tirer de la comparaison entre son moi actuel et son moi infantile. Cette opinion se trouve dans une certaine mesure, corroborée par le rôle dévolu à l’infantile dans le processus névrotique du refoulement. » S. Freud, Le mot d’esprit et son rapport à l’inconscient, p. 204.

[9] Les images mentales comme actes « épargnent l’énergie nécessitée par l’inhibition » S. Freud, Le mot d’esprit et son rapport à l’inconscient , p. 211.

[10]« Tous les hommes ne sont pas capables d’ailleurs d’adopter l’attitude humoristique ; c’est là un don rare et précieux, et à beaucoup manque jusqu’à la faculté de juoir du plaisir humoristique qu’on leur offre. Et finalement quand le surmoi s’efforce, par l’humour, à consoler le moi et à le préserver de la souffrance, il ne dément point par là son origine, sa dérivation de l’instance parentale. » S. Freud, le mot d’esprit et son rapport à l’inconscient, p. 211.

[11] Rumi, Odes místicos.

[12]« La condition de ces très anciens peuples était encore celle d’une humanité céleste, ce qui veut dire que, en contemplant tous les objets possibles dans le monde et à la surface de la Terre il les voyait certes, mais il pensait, par eux, les choses célestes et divines…  Henry Corbin, Face de Dieu face de l’homme, Flammarion, 1983, p. 48. Cité in Monique Oblin-Goalou, Le Rhizome sous l’arbre, Le virtuel au-delà des images lumineuses, Lille : ANRT, 2008, p. 93.

[13]Sohrabvardi é o iniciador da sabedoria das luzes, o autor do Kitâb Hikmat al-Ishrâq. Esta sabedoria nasceu da influência do sufismo, e da sabedoria d’Ibn Sina e do conhecimento da antiga sabedoria. O desejo da alma girada para um objetivo luminoso preserva das paixões carnais e da ira.

[14] Sexualidade infantil : O pazer de assumir, na criança, a identidade masculina ou feminina dela.

[15] S. Freud, Cinq leçons sur la psychanalyse, Ed. Payot, 1966, p. 53.

[16] A pessoa moral é representada por pelo menos uma pessoa física como um presidente para o estado. Porque é a pessoa física que permite ser comprometido. Então, o poder dos outros sócios é limitado.

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17 juillet 2011 7 17 /07 /juillet /2011 10:47

Entrando no Casino do Estoril, depois da surpresa dos jogos de arquitetura e decoração, você vai descobrir uma sala cheia de máquinas. Desde Montaigne, o jogo é considerado útil para a saúde e para a vida como entretenimento. A diversão não consiste de se afastar da meta, seduzir Atalante, mas abordá-la com três maçãs[1] de ouro: inteligência, imaginação e alegria. O jogo permite a procrastinação, o tempo passa rápidamente a jogar. Algumas necessidades são adiados para o dia seguinte com consequências por vezes infelizes! Lindâ-Lê considera a poesia, a romance, a ficção, como meios de procrastinar, mas os jogos e jogos de vídeo são também uma boa maneira de passar o tempo? Uma abordagem aos jogos, software, mostra vários passos entre a liberdade e a dependência.

Jogos de vídeo que você pode praticar na Internet, como os jogos grátis Moby Dick, máquinas a dinheiro, jogos de cartas, as vezes, são concebidos por uma pessoa e eles não mudam. Neste caso, eles são uma imagem rigida em que a imaginação não tem papel criativo o so num lugar fechado: são imagens fechadas. Jogar sozinho é relaxante. Ser capaz de jogar em rede não muda coisas, mas faz o "vínculum"[2] uma ligação em latim. A relação ao redor do jogo  permite achar da companhia. Os jogadores on-lines em Internet ou em redes compartilham num lugar virtual.

As máquinas a dinheiro nos casinos oferecem uma pequena imagem com um som de jingle. O encantamento do “ritornello” seduziu, não só os jogadores, mas também os músicos e artistas. Gilles Deleuze[3] escreveu sobre o teatro de Samuel Beckett: "A imagem é um pequeno ritornello, visual ou sonoro quando chegou o momento: “a hora requintada…”. Na Watt, os três sapos intercalam as suas canções, cada uma com o seu próprio ritmo, Krak, Krek, Krik. As imagens-ritornellas correm através dos livros de Samuel Beckett ". O conforto, destes mundos cheios de certezas, dissolve as necessidades da vida. O ritornello incita a repetir por novas variantes para fazer melhor. A repeticão, do mesmo gesto, agrada particularmente jogadores digitais. Estes jogos vêm dos simuladores profissionais utilizados na indústria aeroespacial, aviação e outras profissões preocupadas reduzir a probabilidade de acidentes a zero. Nestes jogos as contagens favorecem a repetição. A cada nova tentativa fazem o gesto de novo por uma melhor contagen. O mundo de jogador desmorona-se. Ele perde-se no turbilhão da sua diversão.

 
A sensação de segurança, ao número finito de possíveis incitam a
envolver dinheiro, a correr riscos. Quando o jogador explora as várias metamorfoses do jogo. O espaço do jogo torna-se ressegurado. O jogador começa a apostar dinheiro, ignorando os perigos potenciais. A doença do jogador, que é proibida na entrada um casino, é uma forma grave de procrastinação. De fato, o sabor do jogo pode perder a pessoa, no senso de perder os papéis que ela face na vida, a liberdade de iniciativa, de suas máscaras múltiplas. A diversão torna-se um pesadelo.

As formas mutantes da arte surrealista renovam as questões tabu da sociedade. No espaço do mito, a batalha entre Madame Mim e Merlim, o mago, permite os excessos da imaginação em metamorfoses divertido e variado. Também, no caso dos desportos coletivos, jogos de xadrez, ou palavras, os jogadores reunem-se em torno de regras que definem um lugar onde o espírito e a imaginação se expressam sem preocupações.

O jogo é bom para a saúde, disse Montaigne, porque ele amava a vida.O entretenimento, diz ele, é um modo de vida com todas as dobras de sua humanidade, sem fugas. É um prazer de viver no molde fechado de imagens, em mais ou menos complicadas regras de um jogo de cartas ou um desporte de equipe. Jogar dinheiro para o casino faz a analogia de possiveis e valores. Um risco mensurável entra no jogo. No lugar do jogo permite o risco de excessos da imaginação, na liberdade da variação. O prazer é acrescido, na condição de permaneçer razoável, claro!


Bibliografia:


1 Montaigne, De la diversion, Essais, Livre III, chapitre IV. Cité in http://www.bribes.org/trismegiste/es3ch04.htm.

2 Gilles Deleuze, Le Pli, Les éditions de minuit, 1988, p. 150.

3 Gilles Deleuze L’épuisé in Samuel Beckett, Quad et autres pièces pour la télévision, Paris : Editions de Minuit, 1992, p. 72.



 

 

 

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